Diversas aplicações industriais envolvem o estudo do comportamento estrutural de tubulações, sujeitas a carregamentos operacionais e ambientais, tanto em condições estáticas como dinâmicas. Como as linhas são geralmente de grandes dimensões, é muito comum que as análises sejam desenvolvidas de forma global, avaliando uma resposta de todo o sistema. Por essa razão, geralmente esse tipo de estudo é desenvolvido em ferramentas verticais, focadas para análise de dutos e flexibilidade, e que tipicamente apresentam customizações e rotinas específicas para esta aplicação.
Porém, existem situações onde um estudo detalhado se mostra necessário, para considerar detalhes geométricos da linha (como variações de espessura e suportes da tubulação), a presença de danos (como mossas ou perda de espessura) ou qualquer outra característica de interesse. Nestes casos, a análise global não é capaz de capturar explicitamente o efeito destes detalhes, recorrendo a fatores de segurança ou coeficientes normalizados para avaliar tais regiões. Para uma resposta refinada, se faz necessário o desenvolvimento de uma análise local, algo que pode ser feito com o auxílio de ferramentas de simulação numérica por Elementos Finitos como o Ansys Mechanical.
Este artigo mostra como que o Ansys Workbench Mechanical pode ser usado para este tipo de análise, desde a avaliação global de uma tubulação até o estudo local de uma região de interesse, incluindo uma metodologia híbrida que unifica as abordagens global e local no mesmo modelo.
A análise global é realizada a partir de uma geometria com corpos de linha, com uma seção transversal tubular associada. Essa geometria pode ser gerada diretamente no SpaceClaim a partir do traçado de curvas de sketch, ou importada de um arquivo CAD externo. A seção transversal é atribuída por meio do comando Create no SpaceClaim, selecionando as linhas de interesse.
Vale lembrar que também é possível gerar o traçado acima a partir de uma geometria sólida: com a ferramenta Extract os volumes que representam a tubulação serão convertidos em linhas, com identificação automática da seção transversal.
Na etapa de preparação de geometria, é interessante criar divisões de trechos da tubulação que serão necessários na análise. Por exemplo, para definição das condições de contorno do modelo, aplicação de massa remota para representar válvulas e outros componentes ou para atribuir uma seção de duto diferente. Para isso, o comando Split é usado, permitindo a divisão de arestas a partir de uma dimensão ou percentual do seu comprimento.
Há um detalhe muito importante relativo à exportação da geometria de linhas a partir do SpaceClaim, associado às opções do programa, em File > SpaceClaim Options. No grupo File Options, na opção relativa ao Workbench, existem duas opções fundamentais, destacadas na imagem abaixo.
No topo da janela é possível indicar que tipos de geometrias serão exportadas para o Mechanical, onde é necessário ativar Line Bodies para que corpos de linhas sejam reconhecidos. Por fim, a opção Merge connected beams configura como será o agrupamento de corpos de linha adjacentes (que compartilham a topologia) e mesma seção transversal:
- Ativando a opção, corpos de linha adjacentes e de mesma seção transversal serão unificados em um único corpo após ser importado no Mechanical (figura A);
- Desativando a opção, corpos de linha adjacentes serão transferidos como corpos individuais, podendo compartilhar nós adjacentes se o Share Topology estiver aplicado (figura B).
A escolha da opção depende do interesse do usuário: agrupar corpos de linha torna a operação no Mechanical mais simples, especialmente ao considerar uso de macros APDL ou definição de carregamentos; por outro lado, manter os segmentos de linha como corpos independentes proporciona uma maior flexibilidade para alterar o material e/ou seção transversal de um segmento específico, diretamente no Mechanical, sem a necessidade de retornar à geometria do SpaceClaim.
Com a geometria pronta, a modelagem no Ansys Mechanical é realizada da forma convencional, com a definição da malha, condições de contorno e carregamentos. Entretanto, por padrão o Mechanical reconhece corpos de linha como vigas (Beam), e para disponibilizar os recursos específicos para análise de tubulações, é necessário alterar as propriedades das geometrias, atribuindo o Model Type como Pipe.
Ao fazer este ajuste, o Mechanical altera internamente a definição dos elementos que serão usados, trocando os elementos BEAM por elementos PIPE: se a malha for linear (padrão do Mechanical para elementos de linha), será usado o elemento PIPE288, caso seja uma malha quadrática o elemento selecionado é o PIPE289.
Sob o ponto de vista matemático, são elementos semelhantes às vigas (baseados na teoria de vigas de Timoshenko), permitindo a solução de graus de liberdade de translação e rotação, cálculo de esforços da linha (como forças axial e cortante, assim como momentos fletor e torsor) e extrapolação dos resultados para pontos imaginários da seção transversal. Mas trazem algumas capacidades adicionais, específicas para análise de tubulações. Estes elementos são aplicáveis para para seções tubulares de paredes finas e grossas, permitindo o uso de materiais não-lineares e a aplicação de carregamentos hidrodinâmicos.
Uma das primeiras diferenças que pode ser observada ao trocar o tipo de elemento é que carregamentos adicionais podem ser aplicados. No Mechanical é possível definir carregamentos de pressão interna e/ou externa, assim como aplicar temperaturas nas superfícies internas e/ou externas para considerar sua contribuição para a resposta estrutural.
Para ilustrar a influência destes carregamentos, a figura abaixo mostra os resultados de forma focada em um trecho de uma tubulação, apresentando a distribuição da força axial na linha. Em uma condição inicial, o circuito é submetido somente aos efeitos de peso próprio, e em função das restrições é identificada uma força axial de aproximadamente 114 N. Ao aplicar uma pressão interna adicional, observa-se que o mesmo segmento recebe uma solicitação mais significativa, chegando a uma força de cerca de 270 N neste trecho em particular.
Além dos carregamentos acima, é possível inserir um recurso que torna a análise de tubulações mais refinada, com uma representação idealizada das deformações da seção transversal. Isso é feito por meio da condição Pipe Idealization, que converte os elementos PIPE em ELBOW290. Trata-se de um elemento de tubulação avançado, que possibilita a extrapolação de graus de liberdade adicionais em até 8 termos de Fourier ao longo de sua circunferência.
Com isso, efeitos como expansão radial, ovalização e rotações locais podem ser calculados, mesmo em um elemento de linha. Por padrão, todas as deformações da seção transversal são consideradas, mas é possível restringí-las de maneira individual, após ativar o Beta Options do Ansys Workbench.
Cabe ressaltar a malha deve ser quadrática, e que este recurso não é restrito a arestas curvas: também é possível aplicar o Pipe Idealization em trechos retos onde são esperados os comportamentos acima. Além disso, devido às distorções significativas, recomenda-se ativar o cálculo de grandes deformações, via opção Large Deflection. Por fim, é possível estender a conversão de elementos PIPE para ELBOW nos elementos adjacentes, baseada em um fator proporcional ao diâmetro.
Um exemplo do funcionamento deste elemento pode ser visto na imagem a seguir, onde um trecho reto de tubulação é submetido a uma rotação prescrita de 90°, considerando não-linearidade geométrica e plasticidade bilinear. A figura da esquerda mostra o resultado em um modelo de cascas, com elementos SHELL281 quadráticos, enquanto que a figura da direita apresenta a resposta de um modelo criado com elementos ELBOW290. Fica evidente a semelhança no comportamento de ambas as análises.
Entretanto, o Workbench Mechanical possui hoje uma limitação em relação ao pós-processamento de resultados com o elemento ELBOW290. Se o recurso Beam Section Results estiver ligado (que permite a extrapolação dos resultados das linhas para a seção transversal, para cálculo de tensões e deformações), os resultados nestes elementos não serão exibidos ou apresentarão problema de visualização. Nestas situação, será necessário utilizar plotagens via macros APDL.
Ainda sobre macros APDL, estas podem ser usadas para inserir recursos mais avançados nos elementos PIPE e ELBOW. Alguns exemplos são a inclusão de uma camada externa de isolamento (que adiciona massa e aumenta o diâmetro hidráulico para aplicação de cargas hidrodinâmicas), configuração da discretização da malha da seção transversal (para maior qualidade dos resultados extrapolados para a seção) e definição de um fluido interno, como detalhado a seguir.
Exemplo de uso de macro - fluido interno
Uma aplicação muito comum consiste de representar que a tubulação possui fluido interno, que contribui não apenas para efeito inercial (em uma análise modal, por exemplo) mas também para representar uma pressão hidrostática interna causada pela coluna de fluido. Ou seja, uma pressão variável, em função da altura.
Em relação a este carregamento de pressão, é importante atentar para o procedimento no Ansys, que demanda alguns cuidados. A superficie livre do fluido será sempre paralela ao plano XY global (não é possível selecionar um outro sistema), com a cota da superficie livre identificada em um comando SFE. Por fim, será necessário especificar a aceleração da gravidade na direção Z para calcular a pressão hidrostática.
Ou seja, será necessário modelar a tubulação com uma orientação que considere as direções cartesianas globais acima, ou utilizar a ferramenta Part Transform para reposicionar o conjunto.
Para simplificar o processo, inicia-se com uma macro de Commands inserida na geometria, considerando que toda a tubulação possui o mesmo diâmetro e está agrupada em um único corpo (ou seja, via Merge connected beams, como indicado acima). Dessa forma, uma variável temporária pipe_etype é criada, buscando o número do tipo de elemento usado para a tubulação, gravado na variável interna matid.
pipe_etype = matid
Em seguida, uma outra macro de Commands é criada, desta vez no setup da simulação, com os comandos abaixo.
/PREP7
MP, DENS, 100, 998.2
*GET, od_pipe, PIPE, pipe_etype, DATA, 1
*GET, tk_pipe, PIPE, pipe_etype, DATA, 2
SECTYPE, pipe_id, PIPE
SECDATA, od_pipe, tk_pipe, , , , 100
/SOLU
ESEL, S, TYPE, , pipe_id
SFE, ALL, 3, PRES, , 5
ALLSEL
Uma breve explicação da macro é apresentada a seguir:
- Como a seção transversal será alterada, é necessário ingressar na etapa de pré-processamento, via comando /PREP7;
- Um material adicional para o fluido, de número 100 (aleatório, para não sobrescrever materiais existentes) é criado via comando MP, com a definição da densidade do fluido. No exemplo, será usada água, com unidade em SI;
- Para redefinir a seção transversal de forma automática, comandos *GET são usados para obter o diâmetro externo e a espessura da tubulação, que são gravadas em duas variáveis (od_pipe e tk_pipe);
- O comando SECTYPE redefine a seção de tubulação, e o SECDATA é usado para atribuir as propriedades. Além do diâmetro e da espessura identificados acima, é selecionado o material referente ao fluido, criado na macro;
- Terminadas as alterações na etapa de pré-processamento, retorna-se para a solução por meio do comando /SOLU;
- Para definir o carregamento de pressão de coluna de fluido, todos os elementos da tubulação são selecionados via ESEL, e o comando SFE define em seu último argumento a coordenada em Z global da superfície livre (no exemplo, na cota de 5 metros).
- Por fim, o comando ALLSEL assegura que todos elementos estarão selecionados para a solução. Sempre é uma boa prática finalizar macros com este comando.
É importante atentar para as unidades usadas na definição da densidade do fluido e da cota da superfície livre. Se necessário, é possível indicar manualmente o sistema de unidades utilizado em Analysis Settings > Analysis Data Management > Solver Units > Manual.
A macro acima mostra uma metodologia para a definição do fluido, mas pode exigir algum tipo de ajuste. Por exemplo, ela considera apenas um tipo de elemento, desconsiderando eventuais ELBOW290 que sejam definidos por meio do Pipe Idealization. Para contornar esse problema, outros métodos de seleção podem ser usados para varrer todos tipos de elementos em que a representação do fluido se aplique (por exemplo, varrendo todos os tipos de elemento pertinentes).
Modelagem local e híbrida
Como mencionado acima, o uso de softwares de Elementos Finitos como o Ansys Mechanical permite a realização de análises locais de tubulações, representando detalhes geométricos que não estão disponíveis em um modelo global. Tais modelos são desenvolvidos com elementos sólidos ou de casca, incluindo variações de diâmetro e/ou espessura, reforços, suportes, soldas e quaisquer detalhes que sejam relevantes.
Uma forma prática para realizar a análise local consiste da técnica de submodelagem, disponível nativamente no Ansys Workbench. A linha Solution do modelo global, construído somente com corpos de linha, é conectado à linha Setup do modelo local, com a região de interesse modelada com elementos de casca ou sólidos. Dessa forma, é possível importar condições de contorno nas fronteiras deste modelo, por meio de deslocamentos/rotações remotos ou mesmo através de forças remotas e momentos para melhor representação de não-linearidades, de forma semelhante ao apresentado neste artigo.
Uma outra alternativa é o desenvolvimento de um modelo híbrido. Nesta abordagem, parte do modelo global convencional (realçado em vermelho na imagem a seguir), como visto acima. Na região em destaque, as linhas são substituídas pela geometria real do detalhe, com um corpo sólido ou de superfície.
Após importar a geometria no Ansys Mechanical, a maior parte do procedimento de setup segue da forma convencional, sendo possível controlar o refino de malha da região em detalhe. Além disso, será necessário representar a união entre o modelo global e o local. Uma das formas mais indicadas para isso é por meio de um Joint do tipo Fixed, que conecta todos os graus de liberdade.
Recomenda-se selecionar o vértice do corpo de linha como entidade Reference. Por ser um ponto, outra sugestão é aplicar esta seleção por meio de um Direct Attachment: desta forma, o próprio nó coincidente com o vértice será usado como entidade da junta, sem a necessidade da criação de um ponto remoto adicional. A entidade referente ao modelo local será usada como Mobile.
É importante avaliar a opção Behavior desta entidade, que determina como será a deformação da geometria selecionada. A escolha será muito influenciada pelo tipo de elemento de linha adjacente que é usado: se for usado um elemento PIPE convencional (sem considerar deformações de sua seção), o comportamento Rigid é válido; por sua vez, se a condição Pipe Idealization foi usada, com elementos ELBOW que permitem deformação da seção, recomenda-se usar o comportamento Deformable.
Por fim, há um detalhe crítico se algum tipo de carregamento de pressão for definido. Por padrão, os elementos PIPE e ELBOW aplicam esforços de empuxo (end cap) em extremidades livres de uma sequência de elementos. Ou seja, forças serão definidas automaticamente nos vértices livres de um traçado de tubulações. Como existem vértices livres na união entre o modelo global e local, será necessário desativar esta aplicação automática de forças para que não ocorra sobrecarga na transição, por meio de uma macro APDL.
Como este carregamento de end cap é uma opção do tipo de elemento, será necessário selecionar os corpos de interesse manualmente. Esta é uma situação onde será mais interessante que cada segmento de linha seja um corpo independente (ou seja, usando a opção Merge connected beams desligada), para que a alteração seja feita somente nas regiões de transição. Sendo este o caso, basta inserir o comando abaixo no Line Body de cada segmento de interesse.
KEYOPT, matid, 6, 1
Outras estratégias de seleção podem ser usadas, como a apresentada acima para a definição de pressão hidrostática. Porém, vale enfatizar que este carregamento é aplicado automaticamente com base em uma opção do tipo de elemento. Assim, será necessário isolar pelo menos os segmentos de linha adjacentes ao detalhe local como corpos distintos.
A figura abaixo mostra um comparativo entre os resultados de deslocamento resultante de uma tubulação, considerando um modelo global e outro híbrido. Como forma de simplificação da aplicação do comando, os efeitos de end cap foram desativados em toda a linha, inclusive nas extremidades livres de apoio.
Por apresentar elementos mais refinados, a modelagem híbrida permitirá avaliar as regiões de interesse de forma mais detalhada, incluindo resultados que não são calculados diretamente nos elementos de linha, como tensões de von Mises por exemplo.
Como apresentado neste artigo, o Ansys Mechanical oferece diferentes metodologias avançadas para avaliar tubulações, desde uma análise global com elementos de linha somente até estudos mais complexos e refinados, que incluem detalhes de maior interesse. A maior parte das operações está diretamente disponível na interface Workbench Mechanical, com alguns recursos mais específicos que podem ser incluídos via macros de comandos APDL.
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