O software Ansys Mechanical pode ser usado para o desenvolvimento de análises térmicas, tanto em regime permanente como transiente. Em geral, o foco é no estudo da distribuição de temperaturas em meios sólidos, que pode ser usada posteriormente em análises estruturais para avaliar os acoplamentos termo-mecânicos (como estimativa de deformações térmicas e/ou influência da temperatura nas propriedades de material).
Apesar deste foco em sólidos, análises de Transferência de Calor no Ansys Mechanical podem incluir a interação com meios fluidos, por meio da representação de superfícies de convecção. Esta modelagem se baseia na Lei de Resfriamento de Newton, mostrada abaixo.
Para caracterizar este comportamento, é necessário definir o coeficiente de convecção h, que pode ser obtido em literatura para cenários gerais, por meio de correlações empíricas baseadas em geometrias idealizadas ou com o auxílio de uma análise de Dinâmica de Fluidos Computacional (CFD). A temperatura do fluido T∞ também é um dado de entrada necessário, e é definida de forma manual pelo usuário na interface do Mechanical. Ou seja, assume-se um valor conhecido para a temperatura do fluido para a convecção, aplicado de forma constante ou em função do tempo em análises transientes, além de ser possível definí-lo como homogêneo em toda a superfície ou dependente da posição. Nesta condição, entende-se que a massa de fluido é muito significativa em relação ao domínio em estudo (meio sólido) e a sua temperatura não será afetada pela troca de calor com a superfície de convecção.
Embora esta hipótese seja válida na maioria das simulações desenvolvidas, podem existir situações onde seja necessário considerar que a temperatura do fluido varie, sendo influenciada pela Transferência de Calor por convecção. Em outras palavras, a temperatura T∞ deixa de ser um dado de entrada definido pelo usuário e passa a ser caracterizada como um grau de liberdade a ser calculado pela solução. Mesmo considerando o foco do Ansys Mechanical em análises térmicas em meios sólidos, a ferramenta disponibiliza alguns recursos que permitem a representação de fluidos como parte da análise térmica, mesmo que de forma idealizada, e desta forma considerar a temperatura do fluido de convecção como grau de liberdade.
Este artigo ilustra um destes recursos, disponível diretamente na interface do Ansys Workbench Mechanical, para caracterizar elementos lineares de fluidos para análises de Transferência de Calor. Desta forma, é possível modelar o escoamento de um fluido em um duto ou tubulação, considerando diversos comportamentos físicos como a convecção com as paredes e o transporte de massa.
A definição deste tipo de elemento segue uma sequência de etapas de modelagem, a começar com a criação dos corpos de linha que representam o fluido. A forma mais convencional para isso é por meio de uma ferramenta de modelagem geométrica, como o Ansys SpaceClaim ou o DesignModeler, com a construção de um corpo de linha (destacado em azul na imagem abaixo). Embora não seja obrigatório, é interessante definir também a seção transversal do elemento, que será equivalente ao diâmetro hidráulico do escoamento.
Vale lembrar que nas versões mais recentes do Ansys Mechanical é possível importar uma geometria com corpos de linha sem a definição da seção transversal no SpaceClaim ou DesignModeler, já que seções podem ser atribuídas diretamente no ambiente de simulação.
Também é recomendado assegurar que todos os segmentos tenham nós compartilhados, para que o transporte de massa ocorra da maneira convencional. O traçado pode incluir variações de diâmetro (com transição imediata, de forma abrupta) e derivações.
No ambiente Mechanical, por padrão corpos de linha em análises térmicas são representados por elementos de barra com condução linear. Para alterar seu comportamento, basta alterar o Model Type do corpo de linha para a opção Thermal Fluid, como mostrado abaixo.
Por padrão, a área transversal do fluido é calculada automaticamente com base na seção transversal. Se necessário, a área pode ser especificada manualmente na definição da geometria.
Ao alterar a forma de modelagem, o Ansys troca o elemento que será usado para a solução. No caso de uma representação Thermal Fluid, o elemento FLUID116 será selecionado. Este elemento é de 1ª ordem com nós extras opcionais para definição de convecção e que possui uma série de características avançadas que serão comentadas a seguir.
Em sua utilização padrão no ambiente Mechanical, ele se restringe ao cálculo de temperaturas e aplicação de vazão para representar o escoamento. Além da área de escoamento, há uma opção disponível na interface para configurar a discretização numérica do fluido, como indicado na figura abaixo.
De forma resumida, a função padrão (Upwind difference linear) atende à maioria das aplicações, embora deprecie um pouco a qualidade da resposta para otimizar o tempo de solução e convergência. A função Central difference linear apresenta a melhor qualidade de resposta, mas pode causar oscilações em trechos curvos. Por fim, a função Upwind difference exponential proporciona um bom compromisso entre qualidade e tempo de resposta, além de não ser suscetível às oscilações em segmentos de curva. Maiores detalhes sobre estas formulações podem ser estudados no manual teórico do Ansys.
Na definição da geometria também é necessário selecionar o material adequado para caracterizar o fluido. É importante observar que a modelagem do transporte de massa depende da definição de todas as propriedades térmicas (condutividade, densidade e calor específico), mesmo quando a análise é permanente.
Os elementos Thermal Fluid permitem a definição direta da maior parte das condições de contorno térmicas, como temperatura prescrita e fluxo de calor. De forma adicional, é possível definir uma vazão mássica nas linhas, para representar o transporte de massa no sistema. Isso é feito pelo carregamento Mass Flow Rate. Basta selecionar as arestas desejadas e definir o valor da vazão, em quilogramas por segundo.
É importante observar que o sentido positivo da vazão é determinado pela direção da linha, que pode ser visualizada com o auxílio do comando Edge Direction, como mostrado na figura abaixo. Esta direção é determinada pela sequência de modelagem da geometria, e atualmente não há como invertê-la diretamente no ambiente Mechanical. Desta forma, pode ser necessário usar um valor negativo em determinados trechos do traçado para que a direção do fluxo esteja coerente.
A principal aplicação dos elementos Thermal Fluid em uma análise de Transferência de Calor consiste em representar a temperatura do fluido para convecção. A superfície de convecção é selecionada da forma convencional, por meio da seleção de faces (modelo tridimensional) ou arestas (modelo plano), juntamente com a especificação do coeficiente de convecção. Porém, em vez de definir uma temperatura de fluido, a opção Fluid Flow é ligada e os elementos de fluido são selecionados, diretamente pela geometria ou por Named Selection.
Se desejado, o usuário pode ligar a opção Display Connection Lines para visualizar como que os nós dos elementos lineares de fluido serão conectados à superfície de convecção. Estas conexões dependem do refino de malha e são definidas entre o centróide dos elementos na superfície de convecção e os nós mais próximos do elemento fluido, identificados por meio de um algoritmo baseado em distância.
Ressalta-se que o fluido pode ser caracterizado por uma ou mais linhas do corpo de fluido (utilizando o algoritmo baseado em distância) como mostra a figura acima, ou por um único nó/vértice que faça parte deste corpo, como visto abaixo. Neste último caso, o ponto selecionado define a temperatura do fluido que será usada em toda a superfície de convecção.
A utilização de elementos fluidos torna a solução não-linear, uma vez que a temperatura T∞ da convecção é desconhecida e precisa ser calculada como grau de liberdade, porém seu impacto na complexidade da solução tende a ser menos significativo do que outras não-linearidades. Considerando a vazão aplicada, características da convecção e demais graus de liberdade, a análise fornecerá uma resposta que inclui a interação fluido-estrutura térmica, permitindo avaliar não apenas a distribuição de temperatura nos corpos sólidos como também nas linhas que representam o fluido.
A figura abaixo mostra um exemplo de uma chapa sujeita a um fluxo de calor na superfície superior e com um canal de arrefecimento, com entrada de água a 20°C e vazão de 0,1 kg/s. O pós-processamento mostra a distribuição de temperaturas na água ao longo deste canal, onde é possível identificar a troca de calor que aumenta a temperatura na saída do escoamento.
Vale ressaltar que este elemento fluido adota uma série de hipóteses simplificadoras. Por exemplo, a temperatura na seção transversal é considerada como uniforme.
O exemplo acima considera a criação dos corpos de linha na geometria CAD importada, que consiste do método mais convencional para este tipo de modelagem. Entretanto, é importante destacar que elementos fluidos podem ser criados diretamente na interface do Mechanical por meio das ferramentas de Construction Line, como ilustrado abaixo. Embora estas linhas sejam tipicamente traçadas de forma livre (ou seja, sem o controle de cotas e relações geométricas encontradas nas ferramentas de CAD), tal abordagem se apresenta como uma solução prática para traçar contornos que servirão de referência para linhas de escoamento de fluido.
Os recursos apresentados acima consideram as ferramentas disponíveis diretamente na interface do Ansys Workbench Mechanical e que contribuem para o desenvolvimento de análises de Transferência de Calor, especialmente quando estas demandam uma representação mais refinada do fenômeno de convecção e a interação com meios fluidos, sem a necessidade de um software de CFD.
Mas o elemento FLUID116 disponibiliza uma série de outros recursos avançados, que podem ser incluídos por meio de macros de comandos APDL. Por exemplo, o coeficiente de convecção pode ser definido por meio da correlação empírica de convecção forçada em dutos circulares. Neste caso, o Ansys calcula os números de Reynolds e Prandtl automaticamente, com base nas propriedades do fluido e do escoamento, cabendo ao usuário especificar as constantes empíricas da correlação. Outro recurso é considerar a existência de um fator de fricção (como os obtidos em diagrama de Moody), que pode ser constante ou função de propriedades do escoamento. Outra capacidade avançada é a inclusão da pressão como grau de liberdade, que permite estimar as perdas de carga ao longo da tubulação (disponível somente na licença Ansys Mechanical Enterprise).
Comments
0 comments
Please sign in to leave a comment.